Experiências de dois estudantes de intercâmbio que passaram um tempo na Unichristus

Postado em 29/05/2019

“Na cidade, faço tudo de bicicleta” e “Gostaria de levar a cordialidade brasileira para casa”

Prof.  Jan Krimphove, Coordenador de Assuntos Internacionais da Unichristus

Raphael e Florent na Clínica Escola de Fisioterapia da Unichristus

Além de enviar anualmente cerca de quarenta alunos para mobilidade acadêmica em instituições parceiras em outros países, a Unichristus recebe, cada vez mais, estudantes internacionais para um período de estudos ou estágio em Fortaleza. Neste ano de 2019, serão pelo menos dez jovens que estão chegando de Portugal, da Itália, da França e da Alemanha. O coordenador do setor internacional da Unichristus, Jan Krimphove, entrevistou dois deles, que vieram no primeiro semestre, a alemã Daniela Pravdic e o francês Raphael Berthelot sobre a experiência deles no Brasil. Daniela é estudante de Medicina do terceiro ano em Aachen, na Alemanha, e passou um mês de estágio observacional no serviço de clínica médica da Santa Casa de Misericórdia. Raphael é estudante do último ano de Fisioterapia e passou todo o semestre de 2019.1 na Unichristus. Originalmente de Montpellier, na França, Raphael estuda em Porto, Portugal, por isso já dominava o português antes de vir para Fortaleza.

1. Qual foi a motivação para fazer um estágio / passar um tempo de estudos em outro país?

Daniela com a Familia Tomaz que a hospedou

Daniela Pravdic: Sempre achei muito legal viajar! Nos últimos anos, tive a oportunidade de conhecer vários países. Quem começa a viajar muito não pode mais parar. Além disso, creio que seja importante fazer experiências práticas profissionais fora. A pesquisa científica vive da troca global de informações. Eu tenho interesse de ver como funciona a Medicina em outros países do mundo.

2. Por que vocês queriam vir para o Brasil? Por que escolheram Fortaleza?

Raphael Berthelot: Sou francês, mas estudo em Portugal, na cidade do Porto. Adoro viajar, conhecer novos lugares, pessoas e culturas. Então, foi lógico para mim fazer um intercâmbio fora. Já passei um ano na Nova Zelândia, então agora eu queria descobrir o Brasil e a América do Sul. O Brasil era um país que eu queria muito conhecer. Para nós na Europa, o Brasil se resume a “Carnaval, Samba e Futebol”.  Eu queria fazer a minha própria ideia deste país e não ficar com ideias preestabelecidas.

A minha primeira escolha, na verdade, foi Blumenau. Depois de algumas pesquisas na internet, eu vi que a cidade tem 98% de descendentes de alemães. Não queria vir ao Brasil para encontrar alemães. Seria melhor encontrá-los na Alemanha. Então, mudei de destino e escolhi Fortaleza, porque queria encontrar o verdadeiro povo brasileiro. Aqui há uma incrível mistura de indígenas, negros e descendentes de europeus. O que influenciou a minha escolha também foi ter encontrado Luigi que fez um intercâmbio para a minha universidade [Fernando Pessoa] em Porto no ano passado. Então, ele me falou da Unichristus, da cidade e, pronto, escolhi Fortaleza.

Daniela na Santa Casa de Misericórdia

Daniela Pravdic: Acho o Brasil um país fascinante. Durante o colégio, já tive a oportunidade de conhecer um pouco da cultura brasileira por meio de amigos. Eu queria conhecer mais e ter uma experiência pessoal no país. Escolhi a cidade de Fortaleza por causa do acordo de cooperação que existe entre a Unichristus e a minha universidade [RWTH Aachen] na Alemanha. Assim, a preparação do intercâmbio foi bastante fácil para mim.

3. Como foi a preparação e a chegada? Onde vocês moram? Vocês se adaptaram bem?

Daniela na Arena Castelão

Daniela Pravdic: A preparação foi realmente fácil. Enviei alguns documentos e estudei Português durante dois semestres. Falei algumas vezes com o coordenador do setor internacional da Unichristus, Jan Krimphove, que também me ajudou a achar uma família que me hospedou durante o mês de estágio. Em momento nenhum, tive a impressão de estar sozinha. Jan estava sempre lá para me ajudar quando eu precisava, e a família que me acolheu cuidou muito bem de mim e me fez conhecer muitas tradições brasileiras. Além disso, fiz novos amigos, com os quais passei uma boa parte do meu tempo livre.

Raphael Berthelot: O coordenador do setor internacional me deu um apoio fundamental antes da minha chegada. Falamos, muitas vezes, no Skype. Ele também me ajudou com a burocracia. No primeiro dia, visitamos a cidade. Ele me mostrou alguns lugares bonitos.

Moro no bairro Meireles, em um prédio antigo de três andares, com 12 pessoas. Somos uma república, uma comunidade. Viemos de diferentes países da América Latina e da E5uropa. Moro com pessoas do Peru, da Colombia, de El Salvador, do Écuador, da Italia, da Argentina e do Brasil. Eu adoro esse tipo de lugar. O clima é muito bom. Comemos juntos e fazemos muitas atividades juntos, isso sem falar nas festas. Parece aquele filme, “Albergue espanhol”, com o actor francês Romain Duris.

Estudantes franceses Raphael e Florent na biblioteca da Unichrisuts

Para me locomover na cidade, faço tudo de bicicleta. Comprei uma bicicleta no OLX e agora tenho minha liberdade para circular. Não gosto de pegar sempre o Uber. Não é meu espírito de vida. Eu gosto de andar de bicicleta tranquilamente. É a melhor maneira de conhecer uma cidade. Zero poluição, zero trânsito e zero gasto. 

Agora, após três meses, posso dizer que, sim, eu me sinto muito bem em Fortaleza. No início, todas as pessoas me diziam: “Cuidado! A cidade é perigosa. Alguém vai vir te assaltar”. Fiquei um pouco com medo. Contudo, agora ando tranquilamente. Na minha visão, a gente deve se apropriar da cidade. Viver com medo na sua cidade não é uma vida para mim. Eu vejo todas as pessoas vivendo numa prisão dentro dos seus condomínios fechados com segurança. Não saem nunca, o que é muito estranho para mim. A vida acontece do lado de fora, encontrando gente na rua. A gente deve se apropriar do lugar público e não deixar o medo, a violência se instalarem. Gosto muito de ir ao centro cultural do Dragão do Mar. Adoro os filmes alternativos que passam lá e as exposições também. 

4. Quais são para vocês as diferenças mais visíveis em relação à Europa – o dia a dia na cidade e na universidade/ no hospital?

Daniela Pravdic: O Brasil funciona de uma maneira completamente diferente da Alemanha! As pessoas não andam de bicicleta para o trabalho e não andam na rua. Fazem qualquer viagem de carro ou de Uber. O contraste entre ricos e pobres é chocante. A desigualdade social que observamos na Europa não se compara com que eu vi no Brasil. São praticamente duas sociedades: os ricos que podem fazer tudo, uma classe média muito pequena e muitas pessoas miseráveis. Foi muito difícil para mim de ver isso. A família brasileira é uma instituição. Os estudantes vivem em casa até começam a ganhar dinheiro e quase não saem da casa dos pais. Na Alemanha, os filhos saem de casa mais cedo. Os brasileiros são muito descontraídos e abertos. Tudo mundo que toca no braço. O contato corporal entre as pessoas é muito normal. No hospital, a relação médico-paciente também é muito cordial, menos fria que na Alemanha. O médico não dá apenas um diagnóstico, mas também tenta consolar e dar esperança ao paciente. As relações entre os funcionários do hospital também são muito cordiais. Fui recebida de braços abertos na Santa Casa.

Rapahel e amigos no Carnaval de Olinda

Raphael Berthelot: A maior diferença entre o Brasil e a Europa é a desigualdade social que existe aqui. Há dois extremos: muito rico e muito pobre. Isso cria violência, faz que as pessoas queiram roubar os outros. Há mais liberdade e segurança na Europa, onde você pode andar tranquilamente. Não temos condomínios fechados. 

A faculdade aqui é mais puxada que a de Portugal. Em Portugal, podemos usar os slides das aulas para estudar. Aqui você deve ir à biblioteca e pesquisar as informações nos livros. No início, escolhi várias cadeiras. Minha agenda estava tão cheia que eu não tinha tempo livre algum. Como as disciplinas não seriam validadas pela minha universidade em Portugal, eu desisti de realizá-las. Agora estou só fazendo estágio na clínica escola, todos os dias da semana, à tarde.

No estágio, temos mais liberdade.  A professora Germana tem muita confiança em mim e me deixa fazer os tratamentos com os pacientes. Infelizmente, a piscina de hidroterapia não é muito usada na reabilitação de pacientes. 

Os estudantes da Unichristus estudam demais. Acho que a universidade deve mudar esse parâmetro se quiser receber mais intercambistas. Deve tentar adaptar os horários para que os estudantes de intercâmbio tenham também tempo para aproveitar a cultura do país.

5. Qual foi a experiência mais surpreendente ou interessante para você aqui?

Daniela Pravdic: No primeiro dia do meu estágio, um dos professores foi cumprimentado por uma interna com o beijinho na testa! Na Alemanha, esse gesto seria considerado assédio e não carinho para com a pessoa. Gostaria de ter um pouco mais desse lado humano nos hospitais na Alemanha. Afinal, a medicina é feita para os seres humanos!

Rapahel e Florent com Profa. Germana – se preparando para o Carnaval

Raphael Berthelot: Adorei o pré-carnaval aqui em Fortaleza, com muita festa em diferentes lugares da cidade (Rua do Gato Preto, Mercado dos Pinhões, Cidade 2000, Estoril), mas o carnaval em Olinda foi realmente incrível. Adorei esse ambiente com muita alegria e festa na rua. Além disso, achei a cidade muita bonita com a sua arquitetura colonial e a sua praia. 

6. O que você gosta particularmente no Brasil? Qual parte da cultura brasileira você gostaria levar para casa?

Raphael Berthelot: Tenho muita admiração pelas pessoas que todos os dias vão fazer alguma coisa para ganhar dinheiro. Pessoas que estão na rua para vender caipirinha, pipoca, algodão doce ou colher latas de alumínio. Penso que há uma determinação de sobreviver e de fazer algo para ter um papel dentro da sociedade. Admiro a coragem dessas pessoas.

Daniela Pravdic: As praias, o mar, a música, a alegria de viver e, acima de tudo, o açaí!

O estágio e o mês em Fortaleza foram muito interessantes, mas vou me lembrar, ainda mais, da viagem de ônibus por meio do Brasil que fiz antes do estágio. A viagem de Foz do Iguaçu até Fortaleza faz parte dos melhores momentos da minha vida.

7. Do que você sente mais falta e já está ansioso de rever quando voltar para sua terra?

Daniela Pravdic: Senti muita falta de poder sair de casa andando sem olhar para todos os lados o tempo todo. A falta de segurança é um aspecto muito importante da vida aqui. Muitas pessoas são muito cautelosas e se sentem inseguras. Felizmente, não aconteceu nada comigo, mas havia sempre essa tensão no ar. Além disso, achei um pouco limitada a oferta de atividades culturais e ao ar livre em Fortaleza. Toda a vida social acontece em restaurantes fechados ou em festas de família. Um último aspecto: comida saudável. Nada contra carne e sobremesas de açúcar puro, mas senti falta de vitaminas de vez em quando.

Raphael Berthelot: Andar tranquilamente na rua a qualquer horário da noite ou do dia.  Sinto falta da comida também, porque aqui é sempre carne, arroz e feijão. Por fim, vi que, no Brasil, há muitos alimentos geneticamente modificados, principalmente a soja. Na França, nós combatemos essa agricultura nociva para a saúde. Eu gosto de comida saudável. Somos profissionais da saúde, sabemos os benefícios de uma comida saudável para o bem-estar.